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ENERGIA: As barragens do futuro

Luanda viveu dias especialmente difíceis, no final do ano passado, devido às falhas frequentes (mais bem dito, quase constantes) de energia e água. Surgiram as inevitáveis reclamações inflamadas da população que acabara de eleger um novo Executivo que se havia comprometido a “prioritizar” o sector. A imprensa cumpriu o seu papel e deu eco a tais vozes, na esperança de descortinar as causas das falhas. A explicação oficial foi a estiagem (seca, falta de chuva, em linguagem corrente) que fez descer os níveis da albufeira de Capanda (que representa 50% a 70% do consumo da capital).

Capanda: Esvaziamento da albufeira e estiagem justificaram a quebra de produção em 2012

Mas quem leu as notícias — e sobretudo os comentários nas redes sociais — constatou outras alegadas razões. À cabeça, claro, a incompetência de quem decide, dado que a chuva tinha voltado e a escuridão permanecia. Outros diziam que as quatro turbinas não podiam funcionar em simultâneo, que a barragem estava com fissuras, ou ainda que ela já nascera com deficiências estruturais que impediam o preenchimento do reservatório.

Para verificar a validade dessas teses, a EXAME deslocou-se à Barragem da Capanda a convite do Gamek — Gabinete de Aproveitamento do Médio Kwanza — que emprega 700 pessoas, das quais cerca de metade trabalha na barragem que está sob a sua gestão. Verificámos, tal como esclareceu Alfredo Imperial, responsável de operações, que ela está efectivamente a trabalhar a 100% (e sim, com os quatro geradores de 105 mw em simultâneo, que garantem uma capacidade máxima de 520 mw). Moisés Jaime, chefe de manutenção, explicou (durante uma interessante visita às galerias subterrâneas da estrutura) que as paredes com água que se viam no passado deveram-se ao facto de a cortina de drenos não estar a funcionar em condições e não a fissura.

Já as alegadas deficiências estruturais exigiram de Eurico Figueiredo, director-geral do Gamek, desde Maio de 2011, uma explicação um pouco mais longa. As obras de Capanda, a maior obra de engenharia do pós-independência, tiveram início em 1987. O projecto tinha começado a ser idealizado, cinco anos antes, por projectistas russos (Tecnopromexport) em consórcio com os brasileiros da Odebrecht (responsável pela engenharia e construção). Só que o país estava em guerra civil e os trabalhos sofreram várias paralisações e recomeços. Quando o enchimento da albufeira (a maior de Angola, com 164 quilómetros de água inundada, com condições ímpares para o turismo) estava prestes a arrancar (algo que só sucedeu em 2012) os projectistas queriam recalcular a altura do reservatório (poupando os leitores às explicações técnicas o valor é obtido com base num multiplicador da maior “enchente” do último século) dado que, entretanto, teriam recebido novos dados. O Executivo (e bem, na opinião de Eurico Figueiredo, segundo o qual foram cumpridos os requisitos internacionais de segurança) decidiu prosseguir com os trabalhos da barragem.

Lauca será quatro vezes Capanda

O início da actividade de Capanda só ocorreu em 2004, já com o país em paz. Só que, fruto das vicissitudes que rodearam a obra, o Executivo já terá gasto no projecto cerca de 3,8 mil milhões de dólares (para se ter uma ideia, Lauca, cujas obras arrancaram este ano, custará quase o mesmo e terá uma capacidade mais de três vezes superior). “Só na manutenção são gastos cerca de 6 milhões de dólares por ano”, informa Moisés Jaime.

Mas terá precisamente a manutenção (ou a falta dela) a somar ao fim da vida útil de alguns equipamentos que terão causado, afinal, a maka do ano passado. Em 2010, os auditores internacionais detectaram a necessidade de se fazer obras de reabilitação, em particular novos drenos e extensores que estavam entupidos. Alertaram também para a falta de cumprimento dos programas de manutenção e a escassez de rigor na leitura e medição dos equipamentos de segurança (que devem ser monitorizados três vezes por dia). O relatório dos auditores foi enviado aos projectistas originais (que já não estão ligados ao projecto desde 2007, embora o Gamek tenha, entretanto, contratado cinco técnicos russos) que se queixaram (com razão) da ausência de dados históricos. Por isso, recomendaram (e aí, sem razão, no entender de Eurico Figueiredo) o esvaziamento da albufeira. A ministra da altura não quis arriscar e acatou a recomendação (que teve o parecer contrário dos auditores alemães e italianos). Em Abril de 2012, os consultores russos, que acompanharam as obras de reabilitação no valor de 10 milhões de dólares, deram luz verde ao (re)enchimento do reservatório. E aí, sim, surgiu a estiagem (o timing não podia ter sido pior) que impediu o enchimento completo.

Aqui impõe-se outro esclarecimento técnico. Capanda é uma barragem especial (de betão compactado com cilindro) projectada para ser o regulador do rio Kwanza. Tem uma coroa (altura) de 110 metros e a albufeira tem uma profundidade de 950 metros face ao nível do mar. Foi construída em “v” o que significa que se perder 10 metros de enchimento no topo terá uma quebra de 30% da água. Durante o período das festas, a albufeira chegou a estar nos 927 metros (na altura da visita estava a 948,2 metros — 93% da capacidade —, de modo a respeitar o nível de segurança de 1,8 metros). Logo, com os baixos níveis de enchimento verificados nos “meses negros” do ano passado de facto (e ai as teorias conspiratórias estavam certas) não havia água suficiente para ter os quatro geradores a trabalhar.

Alteamento da albufeira de Jamba Ia Mina e Jamba Ia Oma vão regular o rio e aumentar a área de irrigação do médio e baixo Cunene

A pausa foi aproveitada para se proceder à manutenção geral de um gerador. Estas revisões (que são capitais) realizam-se após as 32 mil horas de utilização (ou de quatro em quatro anos) e são feitas por técnicos especializados. Há também revisões anuais que são feitas pelo pessoal da barragem que tem sido alvo de formação técnica. Além de comprovar que Capanda voltou a funcionar em pleno, a EXAME pode atestar que a barragem está bem apetrechada quanto ao transporte. Existem cinco linhas, uma das quais de 400 kilowatts, com estação elevatória. Servem as cidades de Luanda, Uíge, Malangue, Ndalatando e Lucala e fazem interligação com Cambambe.

Esta barragem, a última do rio Kuanza e a segunda mais potente de Angola, também está a sofrer obras de reabilitação desde 2009. Antes da modernização dos dois grupos de geradores, que implicou a substituição da maioria dos equipamentos instalados desde 1962 (ano da inauguração) Cambambe produzia apenas 90 megawatts (mw). Com a conclusão do projecto, no ano passado, passou a operar à capacidade máxima de 180 mw. Os trabalhos, que representam um investimento de 490 milhões de dólares e envolvem 1700 trabalhadores, estão a ser liderados pela construtora brasileira Odebrecht. A alemã Voith fornece as turbinas, os franceses da Alston asseguram os geradores e os brasileiros da Engevix assinam os trabalhos de engenharia eléctrica.

Em paralelo, a própria infra-estrutura da barragem está a ser reabilitada, destacando-se o alteamento da parede que permitirá a subida da albufeira em 28 metros. A obra deverá estar concluída em 2014 e representará um acréscimo da potência de mais 80 mw. Mas o grande “salto” será dado com a segunda fase do projecto, com a construção (já em curso) de um segunda central com oito geradores. No final do processo (estima-se que em 2015), a barragem de Cambambe irá fornecer 960 mw, ou seja, uma potência mais de dez vezes superior.

Lauca e Caculo com caudal ecológico

Isso significa que, em 2015, Cambambe irá ultrapassar Capanda, tornando-se a maior barragem de Angola. Mas será um reinado curto. É que entre elas vai nascer Lauca, cujos trabalhos, liderados pela Odebrecht e fiscalizados por um consórcio luso-alemão (Coba e Lamaya) arrancaram em Julho do ano passado. A obra deverá ficar concluída em 2017 e custará cerca de 3,5 mil milhões de dólares. A EXAME visitou-a na véspera da abertura dos dois túneis que permitirão o desvio do rio. Aproveitou a ocasião para conhecer as instalações onde hoje vivem 590 trabalhadores, dos quais 530 nacionais e os restantes 60 de diversas nacionalidades (em particular de países da America Latina).

O nosso guia foi o director de projecto Elias Estêvão, que já trabalhara em Capanga. As comparações são inevitáveis. Lauca produzirá 2000 mw, aos quais se somam 69 mw de caudal ecológico (aproveitamento da queda de água a jusante), quatro vezes mais do que Capanda. Tem uma altura superior (130 metros) e a albufeira também é maior (188 quilómetros) e será edificada num local que oferece uma vista de cortar a respiração sobre o Kwanza (é impossível não reparar numa grande pedra que, segundo as lendas locais, está associada à queda de uma onça).

A Namíbia é dona de Ruacaná que fornece Angola. Os dois países irão edificar a Barragem de Baynes

Um pouco mais abaixo, vai nascer já no próximo ano uma outra grande barragem, Caculo-Cabaça, com a mesma capacidade de 2000 mw, ao que junta os 47 mw de caudal ecológico e que deverá ficar concluída em 2018. Somando as quatro, estamos a falar de uma potência superior a 5500 mw. Recorde-se que segundo os estudos que remontam à época colonial (1951) a bacia hidrográfica do Kwanza tem um potencial de 7000 mw. O referido estudo prevê a possibilidade de se construírem mais quatro barragens (entre Caculo-Cabaça e Cambambe). São elas Zenzo I (450 mw), Zenzo II (120 mw), Túmulo do Caçador (450 mw) e Lume (330 mw).

Construir Chiumbe, Dala e reabilitar Luachimo

O potencial hídrico de Angola não se esgota no Kuanza. É preciso contar com o rio Cunene, que nasce no Huambo, onde existe a Barragem do Cuando (mais importante pelo abastecimento de água potável à cidade do que pela energia gerada). A grande barragem da província é a do Gove reinaugurada em Agosto do ano passado. A infra-estrutura data do tempo colonial (1969 a 1975) e foi um dos alvos principais dos conflitos armados (em 1990 sofreu uma explosão que a destruiu parcialmente). Hoje, tem uma capacidade de 60 MW e fornece as cidades do Huambo, Caála e Kuito (Bié). A reconstução representou um investimento de 279 milhões de dólares, foi executado pela Odebrecht e envolveu 1800 trabalhadores.

Cerca de 225 quilómetros a sul (e a 180 quilómetros do Lubango) surge a Barragem de Matala com uma capacidade de 40 mw (que só está a ser aproveitada a 50%). Construída em 1954, a estrutura está a ser reparada desde 2011, um projecto adjudicado ao grupo canadiano SNC-Lavalin, no valor de 249 milhões de dólares. No final de 2014, a barragem poderá trabalhar no máximo da sua capacidade e servir as províncias da Huíla e Namibe.

Entre o Gove e Matala vão nascer as barragens de Jamba Ia Mina (126 MW) e Jamba Ia Oma (50 MW) cujo projecto está concluído e será inscrito plano de investimentos públicos do próximo ano (a par da referida Caculo-Cabaça), data em que se iniciam as obras. O principal papel das Jambas vai ser o de regular o rio e aumentar a área de irrigação do médio e baixo Cunene. Servirá para reforçar o fornecimento à Huíla e ao Huambo e atender ao futuro projecto mineiro de Cacinga.

Duas maiores bacias os rios Kuanza e Cunene vão ter duas novas barragens

Na província do Cunene, há a destacar a Barragem do Calueque, que não se destina à produção de energia eléctrica. Visa a regularização do caudal até Ruacaná e a irrigação de 10 mil hectares do baixo Cunene, transformando superfícies que hoje são áridas em terrenos férteis para a agricultura forragem para o gado. As obras de reabilitação, de 225 milhões de dólares, começaram em 2012 e terminarão em 2014. Já na fronteira com a Namíbia surge a referida Barragem do Ruacaná (240 mw), propriedade dos namibianos, mas que também fornece Ondjiva através de acordos bilaterais com a empresa nacional de electricidade daquele país. Os “vizinhos” já acordaram a construção conjunta da nova Barragem do Baynes, que visa a produção de 500 mw a 600 mw, mas cujo projecto está em fase preliminar.

Para o mapa hidrográfico de Angola ficar completo, falta referir as pequenas barragens que servem outras províncias do país. Mabubas, no Bengo, foi reinaugurada em Maio do ano passado, após 20 anos de paragem devido à guerra. A reabilitação exigiu um investimento de 21,7 milhões de dólares e aumentou a capacidade de 18 mw para 25 mw. Nesta primeira fase, a produção da barragem dirige-se a Caxito e Luanda. Numa segunda fase, fornecerá luz eléctrica a toda a província do Bengo, que até agora tem recorrido à produção térmica.

Na província de Benguela, a segunda do país em consumo, existem as barragens hidroeléctricas do Lomaum (60 mw) e Biópio (14 mw), cujos trabalhos de reabilitação e ampliação, a decorrer desde 2009, representaram um investimento de 20 milhões de dólares. Prevê-se ainda a construção da Barragem do Cacombo (75 mw), que visa regularizar o caudal do rio Catumbela e os níveis de água de Lomaum e Biopio. No Cuito, está em curso a a recuperação das barragens do Cuemba e Camacupa (também chamada Cunje 1), cada qual irá produzir 8 mw.A reabilitação está orçada em 14 milhões de dólares e ficará concluída este ano.

No Leste de Angola, uma das regiões mais desfavorecidas do país no fornecimento de energia, vai haver um empreendimento na Lunda-Norte, outro na Luanda-Sul e outro no Moxico. Este ano, será reabilitada a Barragem de Luachimo (próxima do Dundo), cuja meta de ampliação é de 36 mw. Recorde-se que esta barragem foi construída em 1958 e que tem apenas 4 mw de potência, dos quais só utiliza metade. Também este ano será iniciada a construção de Chiumbe Dala (nome do rio e do município) que deverá ter 12mw de potência. Por fim há Chicapa, uma barragem privada com 18 mw, que serve a cidade de Saurimo e o projecto Catoca, mas que já está no seu limite da sua capacidade. A ideia é construir mais uma central, de modo a duplicar a potência e para 36 mw. Trata-se, no entanto, de um projecto que ainda não tem uma data certa para o arranque.

Somando todos estes projectos (e a lista da EXAME, sublinhe-se, não é exaustiva), Angola poderá tirar um aproveitamento de 7000 mw dos seus recursos hídricos. Se somarmos os 2000 mw provenientes das centrais térmicas, os 750 mw da central de ciclo combinado do Soyo e os 100 mw do parque eólico do Tombwa (isto para referir apenas os projectos já anunciados) estaremos a falar de uma capacidade que rondará os 1000 mw. Ou seja, Angola entrará no clube restrito dos “gigas”. Oxalá haja energia (e dinheiro) para tanta potência.

Por: Jaime Fidalgo (Exame Angola)

Imagem de: Foto DR

  • Portal de Angola
  • 04/08/2015
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